segunda-feira, 12 de setembro de 2011

«Bonecos de Luz» de Romeu Correia


Romeu Correia nasceu em 1917, em Almada, e faleceu em 1996 na mesma cidade. Foi um homem da cultura e do desporto com verdadeira alma almadense, pois muito cedo começou a participar nas atividades da sua terra natal. Viveu intensamente uma primeira fase da sua vida dedicada ao desporto, chegando a campeão nacional em atletismo e boxe. Com a sua mulher, a atleta Almerinda Correia, teve uma escola de atletismo em Almada, propiciando a prática do desporto a muitos jovens nos anos quarenta.

Depois de muitas experiências de vida e de variadas profissões, Romeu Correia acaba por seguir a sua vocação literária, que lhe daria os melhores frutos. Destacou-se como dramaturgo e ficionista, inserindo-se inicialmente na corrente neo-realista. Foi, nos últimos anos da sua vida, o autor mais representado por grupos profissionais e amadores de teatro em Portugal, recebendo o Prémio 25 de Abril atribuído pela Associação de Críticos Teatrais, em 1984. 
Além do seu teatro de cariz humanísta e de raízes populares, a sua ficção merece toda a atenção, pois é a face da sua obra menos conhecida do grande público, e sem razão.
Nos seus «Bonecos de Luz» o autor expressa toda a sua sensibilidade e carinho pelas personagens de um povo ignorado e paupérrimo, que luta heroicamente pela sua sobrevivência desde a mais tenra infância, caracterizando-as de uma forma realista, trágica e cómica ao mesmo tempo, usando magistralmente o processo da ironia, como quem ri do seu próprio ridículo e infortúnio.
Como, afinal, Charlot nas fitas inacabadas que o Nicolau passava pelas aldeias, perante  audiências boquiabertas.
Transcrevo um pouco do diálogo entre o Biganga e o Zé Pardal, que apresenta uma ideia que eu própria já tive: que o Natal foi inventado para alegrar os nossos invernos.

-Amanhã...é dia de Natal, não é?
Que sim - retorquiu o vendedor de sinas - amanhã era o dia mais bonito do ano.
-Mais bonito porquê? - resmunguei, a espevitar discussão. -Olha, o mais bonito! Estás cuma febre!...
Que eu não devia teimar - volveu ele, às boas. -O dia de Natal era considerado por toda a gente o mais belo dia do ano.
À falta de melhor, saiu-me esta pela boca fora:
-Tem juízo! O melhor dia do ano não pode ser no inverno! Vale mais um dia de calor que todos estes meses de frio!
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-É a grande festa da família! Há rancho melhorado em todas as casas, lojas abertas até à noite! Mas são os miúdos que ficam a ganhar: põem a bota na chaminé e recebem brinquedos do Menino Jesus.
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-Bem...- gaguejou ele, desculpando-se. - Para estas coisas acontecerem não bastava a boa vontade do Menino Jesus...Primeiro era preciso que cada rapazinho tivesse um par de botas...Não admirava, portanto, que a garotada descalça de pé e perna não apanhasse nada.
Indignado, cresci para o gigante com outra pergunta:
-Mesmo que eu tivesse botas...qu' é do sítio?!
-...qu'é do sítio?... - murmurou ele, sem atingir o alcance da minha objeção.
-Qu'é da chaminé para pôr as botas!?- concluí sem me fazer esperado.
-Ah!
                                                                        in Bonecos de Luz
Ainda bem que a tradição mudou. É que cada vez é mais difícil ter chaminé e botas! A função de dador de presentes também foi usurpada ao Menino Jesus, surgindo o Pai Natal, mais universal. E os presentes aparecem em qualquer lado, debaixo duma árvore de Natal, sintética ou natural...Ninguém já liga a isso, o que se quer é presentes, muitos presentes!





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