segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

«Como se faz o poema» de Nuno Júdice

 

COMO SE FAZ O POEMA 

 

Para falarmos do meio de obter o poema,  

a retórica não serve. Trata-se de uma coisa simples, que não

precisa de requintes nem de fórmulas. Apanha-se

uma flor, por exemplo, mas que não seja dessas flores que crescem

no meio do campo, nem das que se vendem nas lojas

ou nos mercados. É uma flor de sílabas, em que as

pétalas são as vogais, e o caule uma consoante. Põe-se

no jarro da estrofe, e deixa-se estar. Para que não morra,

basta um pedaço de primavera na água, que se vai

buscar à imaginação, quando está um dia de chuva,

ou se faz entrar pela janela, quando o ar fresco

da manhã enche o quarto de azul. Então,

a flor confunde-se com o poema, mas ainda não é 

o poema. Para que ele nasça, a flor precisa

de encontrar cores mais naturais do que essas

que a natureza lhe deu. Podem ser as cores do teu 

rosto – a sua brancura, quando o sol vem ter contigo,

ou o fundo dos teus olhos em que todas as cores

da vida se confundem, com o brilho da vida. Depois,

deito essas cores sobre a corola, e vejo-as descerem

para as folhas, como a seiva que corre pelos

veios invisíveis da alma. Posso, então, colher a flor,


e o que tenho na mão é este poema que 

me deste.




                                                                        Nuno Júdice




Para a maioria das coisas da vida a sério, a Retórica não chega. É preciso a acção. E mais alguns elementos secretos.
Um grande e belo poema este, de Nuno Júdice.





                                                         Prímulas ou Primaveras

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