sábado, 30 de abril de 2016

«Livro do Português Errante» de Manuel Alegre




Manuel Alegre nasceu em Águeda em 1936 e é o escritor português que talvez todos conheçam mais como político do que como poeta e prosador.
No entanto, a sua produção escrita é já longa e de proeminente valor literário, interessando-nos aqui sobretudo os seus poemas, reunidos em vários livros e muitos musicados e amplamente divulgados.
Entres estes últimos contam-se Trova do Vento que passa, cantado por Adriano Correia de Oliveira, bem como muitos outros, sendo considerado um dos Poetas de Abril, um dos opositores ao regime fascista e um lutador pela instauração da liberdade em Portugal, o que se veio a concretizar no dia 25 de abril de 1974, que comemoramos agora 42 anos.

Registo aqui alguns dos seus versos, que falam do destino de errância do português e do próprio poeta, que considero memoráveis, convidando-vos a ler um pouco mais da sua obra.


Falésias Praias Areais Ardentes 

Para deixar-vos tenho o meu orgulho
que para vos deixar não tenho nada
ensinei-vos o mar o verão o julho
o alvoroço da pesca e da alvorada
os pássaros a caça o doce arrulho
do instante que passa e é tudo e é nada.
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in Livro do Português Errante, Publicações D. Quixote





quarta-feira, 27 de abril de 2016

Igreja de Santa Catarina, Calçada do Combro, Lisboa





Igreja de Santa Catarina na Calçada do Combro

Há cerca de 40 anos, quando subia e descia a Calçada do Combro, geralmente em corrida, para ir dar aulas na Escola Comercial D. Maria I, mal dava conta desta Igreja, embora ela estivesse lá. Pelo menos, nada me atraía a entrar nela, nada no seu aspecto me chamava a atenção, talvez devido à pressa e à distração da juventude.
Hoje, esta Igreja é uma das mais belas de Lisboa, foi restaurada, em parte, e fazem-se lá concertos magníficos, o que é muito bom.


É uma Igreja com vida, interessada em atrair mais pessoas para as cerimónias religiosas, mas não só. Desenvolve uma importante actividade cultural, dignifica aquela zona que já foi uma das mais importantes da cidade de Lisboa e vale a pena ser visitada. Obra prima da arquitectura barroca (o seu órgão é magnífico), é uma excelente maneira de mostrar aos alunos o que foi o Barroco.
Aqui fica a resenha da sua história.


Fundada pelos religiosos de São Paulo da Serra de Ossa, a então designada Igreja do Santíssimo Sacramento foi edificada na 2ª metade do séc. XVII, a partir de 1654, adossada ao Convento dos Paulistas.
Após o Terramoto de 1755, foi objecto de reedificação, concluída em 1763. No séc. XIX, a partir de 1835, a igreja passou a Paroquial sob o orago de Santa Catarina. Classificada como Monumento Nacional, esta igreja conventual, traduzindo uma arquitectura religiosa barroca, apresenta planta longitudinal, em cruz latina, articulada com o convento, formando um U. É uma igreja de nave única com capelas laterais, transepto saliente e capela-mor profunda. A sua fachada principal evidencia três corpos separados entre si e delimitados lateralmente por duplas pilastras. O corpo central, de dois andares, surge rematado por frontão curvo decorado com a Custódia do Santíssimo Sacramento. Os dois corpos laterais servem de apoio a duas torres sineiras, de secção quadrada, decoradas com balaústres, ao mesmo tempo que, no piso térreo, enquadram uma galilé, à qual se acede por meio de três arcos de volta inteira, separados entre si por pilastras simples. Aí, o portal central, ladeado por pilastras, encontra-se rematado por frontão triangular interrompido pela representação relevada da Custódia do Santíssimo Sacramento. Por sua vez, o portal localizado mais à esquerda permite o acesso à antiga portaria conventual. No interior merecem destaque a talha joanina do altar-mor, a beleza do órgão, verdadeiro monumento de talha dourada, e os estuques ornamentais, que revestem a abóbada de arco abatido da nave, datados do 3º quartel do séc. XVIII e executados por João Grossi e Toscanelli.




Dados do mapa
Dados do mapa ©2016 Google
Dados do mapaDados do mapa ©2016 Google
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sexta-feira, 1 de abril de 2016

António Aleixo, poeta popular



António Aleixo

António Aleixo nasceu a 18 de Fevereiro de 1899, em Vila Real de Santo António. Foi guardador de cabras, cantor popular, soldado, polícia, tecelão, servente de pedreiro em França, vendedor de lotaria, intitulando-se a si próprio como «poeta cauteleiro».
Percorria as feiras improvisando à guitarra ou vendendo folhas avulsas com as suas quadras e versos.
A sua enorme facilidade em exprimir-se poeticamente de forma concisa e simples, com humor, escolhendo a palavra exacta, a sua sensibilidade sobre as condições sociais da vida humana, fazem dele um dos grandes poetas populares portugueses.
Morreu vítima de tuberculose, em 1949, em Loulé, culminando desta trágica forma a sua vida cheia de dificuldades e acontecimentos infelizes, contras os quais lutou sempre, com a ajuda da sua poesia e de alguns amigos que lhe foram valendo nos infortúnios e doenças.
Aqui ficam algumas das suas quadras, para que a sua memória não se apague.

Fui polícia, fui soldado,
Estive fora da nação;
Vendo jogo, guardei gado,
Só me falta ser ladrão. 



Descreio dos que me apontem
Uma sociedade sã:
Isto é hoje o que foi ontem
E o que há-de ser amanhã.


Se fazes tudo às avessas,
Para que prometes tanto?
Não me faças mais promessas,
Bem sabes que não sou santo.


É um moço inteligente
O que passou há bocado;
Julga enganar toda a gente,
Mas ele é que é enganado.


Para não fazeres ofensas
E teres dias felizes,
Não digas tudo o que pensas,
Mas pensa tudo o que dizes.

António Aleixo, Este livro que vos deixo...


estátua de autoria de Lagoa Henriques

segunda-feira, 21 de março de 2016

«Ao longe»



Ao longe

Longe

Quero ficar bem longe daqui

Bem longe

Das cidades empoeiradas

Encaixadas noutras cidades

Onde os prédios são tórridas torres

Onde não se vêem pessoas

Apenas almas penadas, fantasmas

Apenas tijolos vidros paredes pardas


Quero ir para um lugar bem longe daqui

Onde não haja auto estradas, viadutos

Pontes guindastes em suspensão

Atravessando enormes rios poluídos

Tanto trânsito que nem já dá para respirar

Só para morrer e sufocar

Engarrafados em fumo e podridão


Quero ir para um lugar

Onde possa ter uma janela
Aberta de par em par

Com cortinas brancas a esvoaçar

Donde se possa ver à noite o céu escuro

Admirar as estrelas a piscar

Milhões de astros cavalgando pégasos

Que descem até ao meu jardim

De crisântemos, cravos, rosas e jasmim

Dando lugar a novas constelações

Duendes travessos fadas e anões

E o mundo finalmente seria melhor

Com todos esses seres e com todas as cores

                                                      21 de Março 2016


terça-feira, 8 de março de 2016

Maria Inês ou Conceição



No Dia da Mulher de 2016, dedico este poema à memória de todas as mulheres assassinadas pelos seus maridos ou companheiros, que foram vinte e sete no ano de 2015 e uma neste ano de 2016.
Estes crimes hediondos, cometidos muitas vezes «nas barbas das autoridades» e com a conivência por vezes de outros cúmplices gananciosos e sem escrúpulos, é uma terrível consequência (entre outras) do aumento da violência contra os mais frágeis e mais desprotegidos.
Se mais não posso fazer, é com muita mágoa e revolta que as recordo deste modo hoje, da forma que posso, para que esta realidade se vá superando dia a dia.


MULHER

Maria, Inês ou Conceição

Eram os seus nomes

Cuidadosamente escolhidos

Pela madrinha, senhora rica,

Naquele longínquo domingo

De baptismo e de infância feliz

Em que todos pensaram

Que aquelas crianças meninas

Iam ser um dia mulheres.



Mulheres a sério, bem casadas

Com muitos filhos netos e netas…

É isso que costuma acontecer, pois então!?

Manuela, Jessica ou Leonor

Belas, irrequietas ou muito tímidas

À espera do amanhã, porque não?



Tanto sonho perdido

Tanto sonho achado

Um belo príncipe

No seu cavalo branco

Que as ia arrancar de vez

À solidão, ao desespero

Do dia-a-dia duro na fábrica

No campo na seara no tanque

E as tornariam donas duma loja,

Duma casa

Duma mansão

Seriam como aquelas senhoras

Com vestidos e penteados finos

Pois então!?



E num dia, dolorosamente

Tudo desmorona se esfuma

Onde está a minha fada madrinha??

E no outro a seguir, dia tão triste

Tudo lhes foge como areia entre os dedos

Em lugar do belo príncipe encantado

O ciúme, a inveja e o ódio

O dia escuro, a solidão, a morte



Margarida, Andreia ou Joaquina

Tantas mulheres, tantos nomes comuns

Tanto sangue derramado

Tanto filho sem mãe

Tanto pai sem filha

Tanta vida perdida!!!


Tamanho amor, tamanha desilusão

Tamanho crime sem punição

Tudo não passou de falsidade,

De hipocrisia e de indiferença

De nomes e vidas já esquecidos

Maria, Inês, Isabel ou Conceição.             

8 de Março 2016


sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

A crise e a geringonça

A crise e a geringonça

Ler é mesmo muito importante, principalmente para perceber os políticos e a política do nosso tempo.
Já todos sabem que as crises económicas não são invenção recente, embora nunca se saiba se a última, a nossa, a que nós vivemos, que é o que importa (com as outras podemos nós bem), é mais destruidora do que as outras anteriores, a que os nossos pais e avós passaram e das quais nos contaram algumas peripécias e desgraças pessoais.
Quanto à linguagem das crises, ela parece ir dar toda ao mesmo, mais coisa menos coisa. E quando todos se riem muito com a descoberta da palavra geringonça, continuando todos a utilizá-la como arma de arremesso contra os políticos que lhe fazem oposição, constatamos que não passa de mais uma imitação macaqueada de algum escritor ou intelectual que a utilizou talvez originalmente.
Estava eu deliciada a ler O Milagre Segundo Salomé de José Rodrigues Miguéis (não o dos Santos, o maior, que esse não leio), quando me deparo com a dita geringonça ( a edição é de Estúdios Cor, 1974):
 (Mota-Santos):
          -Eu não perdi a fé na República, como ideia-força, mas se ela não se salva por si, alguém terá de a vir salvar. Quanto a mim, o problema é essencialmente económico, mas tudo depende da fórmula política. Se não for dentro da geringonça parlamentar, há que ir busca-la fora dela.

Eu não sei se ainda há fé na República, ou nalguma outra coisa, o que sei é que geringonças funcionam geralmente mal, é preciso oleá-las frequentemente e já era altura de as fazer desmontar, caso não tenham préstimo para a República.
E leiam este livro, são 2 volumes, mas deliciosos.





quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Agostinho da Silva - 110 anos do seu nasimento


Comemoração dos 110 anos do nascimento de Agostinho da Silva

George Agostinho Baptista da Silva, nasceu no Porto a 13 de Fevereiro de 1906 e faleceu em Lisboa a 3 de Abril da 1994. Escreveu poesia e ensaios, mas foi como filósofo que se distinguiu em Portugal e no Brasil, onde viveu grande parte da vida, fugido do regime salazarista e da sua repressão.
O seu pensamento filosófico defende em primeiro lugar a Liberdade, como o valor mais importante para qualquer ser humano e para a sociedade, que ele tentou melhorar através do seu activismo prático.
Quando questionado sobre os seus graus académicos, Agostinho da Silva respondia invariavelmente ser licenciado em liberdade e doutorado em raiva.
Todos que tiveram possibilidade de ver e ouvir as suas «Conversas Vadias» na RTP, se lembrarão do que aprenderam com os seus dizeres simples e coloquiais, que nos davam a ideia de estarmos perante um sábio ancião.
Aqui ficam alguns dos seus pensamentos, sempre actuais e úteis:


Deve-se estar atento às ideias novas que vêm dos outros. Nunca julgar que aquilo em que se acredita é efectivamente a verdade. Fujo da verdade como tudo, porque acho que quem tem a verdade num bolso tem sempre uma inquisição do outro lado pronta para atacar alguém; então livro-me de toda a espécie de poder - isso sobretudo.

O importante é dar aos homens, na plenitude, a liberdade de serem aquilo que gostariam de ser.

O que ainda trava o nosso caminho é a convicção em que nos encontramos quase todos de que o homem é um animal egoísta.


Só a fé no homem, nas possibilidades divinas do homem, nos pode levar de novo à Idade de Ouro.


Cada pessoa que nasce deve ser orientada para não desanimar com o mundo que encontra à volta.

 
Temos que viver para o universo ou seremos inúteis.


São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem.


Restaurar a criança em nós, e em nós a coroarmos Imperador, eis aí o primeiro passo para a formação do império.



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Como pensador completo e universal, Agostinho da Silva expressou-se também em linguagem poética. Escolhi, por isso, este poema que fala de sonho, do sonho perpétuo do homem que deseja um Mundo melhor e quer para ele participar activamente.

Sonho

Teria passado a vida
atormentado e sozinho
se os sonhos me não viessem
mostrar qual é o caminho

umas vezes são de noite
outras em pleno de sol
com relâmpagos saltados
ou vagar de caracol

quem os manda não sei eu
se o nada que é tudo à vida
ou se eu os finjo a mim mesmo
para ser sem que decida.


Agostinho da Silva, in Poemas